Movimentações no conflito sírio trazem de volta velhos fantasmas


           
Novos dados à disposição de especialistas em inteligência e política internacional apontam para um agravamento das posições da Rússia e dos Estados Unidos da América sobre a situação na Síria e são suficientes para dar lugar a várias teorias de conspiração à volta da geopolítica.

O Presidente russo, Vladimir Putin, confirmou que informações ultra-secretas em posse de operacionais de inteligência alertavam para uma situação grave e antecipavam procedimentos belicistas por parte dos países que apoiam os grupos rebeldes na guerra da Síria

A Síria, segundo analistas em política internacional, está a ser aproveitada para as potências estabelecerem novas posições na arena internacional e promoverem vantagens a nível da região e da geopolítica, tendo em conta a incerteza na cooperação militar com países como a China e a Rússia, que incomodam os países ocidentais com os seus procedimentos em matéria de segurança.
Os Estados Unidos da América e os seus tradicionais aliados pretendem alcançar uma posição de força que defina o rumo dos acontecimentos na Síria, capaz de influenciar toda a região do Médio Oriente, onde aumentam os receios de a Rússia determinar a tendência da política dos seus tradicionais aliados, Irão e Síria, à custa da perda da influência ocidental. Os analistas apreciaram os principais canais de produção de conteúdos políticos e concluíram que a verdade sobre o ataque químico na Síria tem que ser bem estudada e só nos próximos meses é que as coisas vão ficar mais claras sobre o que se passou e de quem é a culpa.    
Vladimir Putin, que se mostrou comedido ao analisar o assunto, avisou apenas que a Rússia havia de envidar todos “os esforços para não permitir ‘revoluções coloridas’ tanto no país como nos Estados da Organização do Tratado de Segurança Colectiva (OTSC)”.
“Temos conhecimento de diferentes teorias que estão a ser realizadas em várias regiões do Mundo e que resultam em grave desestabilização nessas regiões. É evidente que não podemos permitir algo parecido e vamos tentar agir em conformidade na Rússia e apoiar os nossos parceiros da OTSC”, declarou Vladimir Putin em entrevista ao canal de televisão Mir. As “revoluções coloridas” são uma designação colectiva atribuída a processos de mudança de poder como a Revolução Rosa na Geórgia, a Revolução das Tulipas no Quirguistão, a Revolução Laranja na Ucrânia, a Revolução de Jasmim na Tunísia e a Revolução de Lótus no Egipto.
Como regra, elas começam sempre por protestos pacíficos, mas transformam-se com o tempo numa dura e violenta luta contra as autoridades. Segundo os especialistas em inteligência que denunciaram tais movimentos, o objectivo principal dessas acções, que são provocadas sempre por forças estrangeiras, é a mudança de Governo nesses países, para dar lugar a políticos mais favoráveis aos interesses externos.
O Presidente russo qualificou, como exemplo, o ataque dos EUA a uma base aérea na Síria como uma agressão a um país soberano, sem o aval do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Apesar disso, salientou, todos estão de acordo, aceitam isso e começam a acenar de forma positiva e a manifestar o seu apoio. O líder russo lembrou que o mesmo aconteceu em 2003, quando pretextos completamente irreais foram usados para uma intervenção militar dos EUA no Iraque.  “Agora o país está destruído. Aliás, justamente depois disso, começou um crescimento desmedido das organizações terroristas, dos movimentos, surgiu o ‘Estado Islâmico’, bem como outras organizações. Todos sabem disso, todos entendem o que se está a passar, mas estão a cometer o mesmo erro novamente”, enfatizou.

Quebra de confiança

O Presidente russo lamentou que a confiança no trabalho de alto nível entre o seu país e os EUA se tem degradado, desde a chegada de Donald Trump à Casa Branca.
“Podemos dizer que o trabalho de confiança, especialmente no campo militar, piorou”, disse Vladimir Putin, numa altura em que o secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, estava reunido em Moscovo com o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov.
Vladimir Putin voltou a denunciar as intenções da OTAN, que está imersa num paradigma de confronto entre os blocos militares. “As marcas da Guerra Fria são muito visíveis na OTAN. Trata-se de uma organização muito ideológica, apesar de todas as declarações no âmbito da Aliança”, afirmou.O Presidente russo justificou que tudo isso levou a que fosse suspensa a cooperação militar com os EUA na Síria, agravada com o ataque contra uma base aérea ordenado por Donald Trump, em represália pela utilização de gás sarim num ataque das forças do Governo contra posições dos rebeldes.

Nova resolução

Os EUA, França e Reino Unido apresentaram ao Conselho de Segurança da ONU um novo projecto de resolução sobre o recente ataque químico na Síria, depois que o seu texto original foi rejeitado pela Rússia, anunciou ontem o representante britânico, Matthew Rycroft.
Segundo Matthew Rycroft, trata-se de uma minuta revista que condena o uso de armas químicas e requer plena cooperação com a investigação internacional. “Todos os membros do Conselho de Segurança deveriam apoiá-la”, escreveu no Twitter o embaixador britânico.
“Não podemos simplesmente render-nos. Há muito em jogo”, disse aos jornalistas o embaixador francês na ONU, François Delattre. O representante francês defendeu a necessidade de iniciativas diplomáticas para que o Conselho de Segurança aprove um texto que condene o ataque de 4 de Abril em Khan Sheikhun e que ordene uma investigação completa.
Os EUA, França e Reino Unido tinham apresentado na semana passada um projecto de resolução que foi considerado inaceitável pela Rússia, que apresentou a sua própria proposta, que também foi rejeitada pelas potências ocidentais.
O Conselho de Segurança discutiu sem sucesso a questão durante horas na quinta-feira, antes de os EUA lançarem dezenas de mísseis contra uma base aérea síria em resposta ao uso de armas químicas em Khan Sheikhun, pelo qual a Casa Branca e os seus aliados responsabilizaram o Governo Sírio.
O Presidente russo insistiu ontem que qualquer decisão deve ser adoptada somente depois de uma investigação e afirmou que o Governo sírio não esteve por trás do ataque com gás sarim.
O Governo de Moscovo tem informações de que estão a ser preparadas novas “provocações” militares na Síria para culpar as autoridades de Damasco, e abrir um quadro favorável aos rebeldes que contam com apoio dos países ocidentais.

Investigação no terreno

A Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ) já está a investigar o ocorrido em Khan Sheikhun, onde morreram dezenas de pessoas num ataque químico.
O organismo com sede em Haia criou em 2014 uma missão de investigação na Síria em resposta às persistentes alegações de ataques químicos no país. A OPAQ e o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovaram em 2015 a operação continuada da missão, que estabeleceu os factos sobre as acusações de uso de armas químicas na Síria e confirmou que estas efectivamente tinham sido empregues, apesar de não ter sido precisa quanto ao grupo ou força culpada nos ataques. Essas descobertas servem de base para o trabalho do Mecanismo Conjunto de Investigação OPAQ-ONU, um organismo independente estabelecido pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em 2015 para identificar os responsáveis pela utilização de armas químicas, a quem se deposita pouca esperança.

Fonte: Jornal de Angola
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